Preocupa o modo como muitas crianças têm sido literalmente “usadas” nos conflitos advindos de separações. A criança acaba sendo obrigada a atuar como uma ponte que leva e traz xingamentos, conversas e sentimentos entre os envolvidos. O maior problema é a carga negativa que este infante carrega, criando bloqueios com algum dos genitores ou responsáveis, bem como adquirindo um desenvolvimento incompatível com a idade.
Uma vez em guarda compartilhada, se torna responsabilidade de ambos os responsáveis zelar pelo bom desenvolvimento dos menores (Arts. 227 e 229 da Constituição Federal de 1988 – CF/88). Isso inclui cuidados biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Logo, em um processo de guarda a prioridade não se dará a qualquer dos genitores, antes, o que se tem em foco é o melhor interesse do infante.
Não é novidade ver pais e responsáveis se digladiando nas audiências das varas de família, buscando por gritos, prints ou testemunhas provar quem é o mais devasso, enquanto a criança assiste. Não raro ainda que o genitor aguarde ansioso para que chegue o período da guarda designado para o infante estar com ele, para que passe a inquirir o menor acerca de tudo que aconteceu, viu e ouviu na casa do outro.
Começa ainda uma corrida para ser o responsável mais bacana, o que dá os melhores presentes, o que leva a todo lugar, o que deixa sair sempre com os amigos, o que deixa usar o telefone até alta madrugada, o que nunca diz “não”, para que assim o outro seja rejeitado pela criança.
Daí se destrói uma criança: primeiro por tratá-la como coisa e não como pessoa; por tirá-la de prioridade e simplesmente usá-la para alcançar os próprios objetivos; por lhe conceder tudo o que quer, tornando-a um adulto que estranhará trabalhar por seu sustento; por negar-lhe o “não”, tão importante quanto o “sim” quando se trata de educar um infante; por traumatizá-la com esse exemplo, fazendo com que a criança não queira relacionamentos, e comumente abomine o gênero do responsável depreciado.
Essas atitudes são contrárias primeiramente à dignidade da pessoa humana estampada no artigo 1º, inciso III, da CF/88. O artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estatui a obrigação dos responsáveis de zelar pelo bom desenvolvimento da criança também é violado (artigo de leitura obrigatória para quem acha que pagar pensão é a única obrigação). As atitudes constrangedoras também figuram como crime do artigo 232 do ECA: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena – detenção de seis meses a dois anos.”
Minha ênfase final não é na pena (pois ela se destina ao responsável), antes, no máximo apreço que se deve ter ao infante, que não tem qualquer culpa pelos problemas de relacionamentos dos adultos, e que são pessoas humanas dignas de regular desenvolvimento. Se o relacionamento não deu certo, que pelo menos não se destrua uma vida inocente.