Estudante revela dia a dia perturbador em universidade federal, desde que foi descoberta de direita e eleitora de Jair Bolsonaro
Apaixonada por História desde pequena, a jovem Julia de Castro, de 20 anos, ficou muito feliz ao descobrir que havia sido aprovada no vestibular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), em 2019, para iniciar o curso no ano seguinte. Nos primeiros meses, Julia percebeu que o sonho virara pesadelo. Os professores usavam a sala de aula para fazer propaganda político-partidária contra o presidente Jair Bolsonaro e distorciam fatos sobre o passado, além de discorrer acerca de um futuro utópico socialista. “Foram momentos bem angustiantes”, disse a jovem, em entrevista a Oeste.
Durante dois anos, Julia calou-se, para conseguir “sobreviver”. “Fiquei na espiral do silêncio”, resumiu ela, em alusão à teoria segundo a qual indivíduos omitem as próprias opiniões, quando conflitantes com o pensamento da maioria ao seu redor, por causa do medo do isolamento e da zombaria. As coisas pioraram no início de outubro deste ano, depois de ela ter sido descoberta de direita e eleitora do presidente Jair Bolsonaro. A estudante passou a ser perseguida, hostilizada e até ameaçada por colegas, sob o olhar complacente dos professores. A Revista Oeste conversou com Julia.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como se iniciou a perseguição contra você na universidade?
Um site de fofocas da faculdade, cujos autores são anônimos, publicou posts das minhas redes sociais em que eu apoiava o governo, sob a “manchete”: “Como essa ‘Julia Bolsonara’ pode estudar na Unirio e apoiar esse homem?”. Todos os alunos, praticamente, seguem esse “jornal”, e iniciaram uma “cruzada” para descobrir quem era a tal Julia. Um colega de uma amiga minha, que não estuda na Unirio, mas sabe quem sou, porque sempre me odiou, em virtude de meu posicionamento político, lê o blog e marcou o meu perfil nele com a mensagem “os seus dias estão contados”. Assim, a minha turma inteira ficou sabendo. Como não sigo esse site, fui informada por meio do meu noivo, que recebeu de um colega dele, ex-aluno da Unirio. Enquanto isso, meu Twitter ficou lotado de ameaçadas de morte e de agressão física. O sentimento que tive em meio àquilo tudo foi de desespero. Chorei compulsivamente naquele dia. A cada segundo, havia uma nova ameaça. Descobriram o número do meu celular, os colegas de classe tiraram-se do grupo da sala e passei a ser alvo de ataques no WhatsApp. Minha família foi meu único refúgio.
O que você fez na sequência?
Consultei uma amiga da família, que é advogada, para processar todos os que me ameaçaram. Ela recomendou que eu expusesse a situação nas redes sociais. O que fizeram foi um crime, e minha segurança estava comprometida dali em diante. Embora reticente no início, acabei cedendo às pressões da minha mãe para obedecer à advogada. Confesso que fiquei impressionada com a repercussão. Recebi muito apoio. Com medo da polêmica, os agressores fecharam as suas redes sociais e se esconderam. Na sequência, acionei uma delegacia, e os policiais me ajudaram a recuperar as mensagens com ameaças.
A direção e os professores saíram em sua defesa?
Foram totalmente omissos. Querem que a situação se abafe.
Como está a sua vida acadêmica agora?
Extremamente difícil. Ao retornar à sala de aula, depois do que ocorreu, senti-me uma estranha, com todos aqueles olhares de reprovação voltados para mim. Fui acompanhada do meu noivo, da minha mãe e de um segurança. Durante o intervalo, duas meninas de esquerda vieram até mim. Ambas disseram: “As pessoas não te odeiam por você ser de direita, que já é algo ruim, mas por você votar no Bolsonaro”. Eu respondi que não queria debater, porque não me sentia em um ambiente seguro. Repentinamente, uma menina vestindo uma camiseta com o rosto de Lula entra na sala e grita para as duas se afastarem de mim. “Pessoas na Unirio estão sendo perseguidas por gente de extrema direita”, disse a aluna. Como se eu não estivesse sendo alvo disso. Evitei entrar em discussão, ao perceber que a estudante queria um embate, como se eu fosse Bolsonaro e ela, Lula. A moça sentiu-se mais “militante” por ver uma oposição.
E seu dia a dia na Unirio, como era?
Eu vivia na espiral do silêncio. Durante muito tempo, fiz trabalhos esdrúxulos que deixaram meus familiares e amigos de cabelo em pé. Minha mãe chegou a dizer que eu parecia uma comunista. Tirava sempre notas altas, por rezar na cartilha da esquerda, mesmo tendo consciência de que era uma conservadora, de direita e eleitora de Bolsonaro. Apesar de não ter amigos na classe, não era perseguida, e isso era bom, porque eu levava uma vida acadêmica confortável. A cada dia, contudo, eu entrava em conflito comigo mesma. Era uma briga interna violenta. Não aguentava mais tanta doutrinação em sala e continuar daquele jeito. Para ter ideia, no primeiro dia de aula, em 2020, o professor disse que Bolsonaro estava sendo julgado pelo Tribunal de Haia por ser um genocida. Não dava mais. Aí, essa descoberta veio à tona, e o mundo desabou.
Essa perseguição também ocorria no ensino médio?
Não. Havia doutrinação em sala, mesmo sendo um colégio particular, entretanto, de uma forma mais velada, que se intensificou em 2018, com a vitória de Bolsonaro, mesmo assim, longe de ser o que passei agora. Aos poucos, fui revelando o que pensava. A sorte é que eu já havia feito amigos, que me disseram: “Discordamos de você, mas agora é tarde para te odiar”. Durante a minha passagem pelo colégio, fiz uma escolha: ou os meus amigos de classe média alta, que bajulavam os professores porque queriam ser intelectuais, ou a minha família. É claro que optei pela segunda opção. E está tudo bem.
Com informações da Revista Oeste.