Apesar de a previsão ser de movimentações mais significativas no mercado, a quantidade de operações e montante total dependerá da conjuntura econômica do próximo ano
O ano de 2022 reverteu o cenário visto nos últimos anos para os IPO’s (Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês). Se em 2020 e 2021 foram registradas 74 estreias na bolsa de valores brasileira, a B3, – movimentando cerca de R$ 109,5 bilhões, sendo R$ 43,9 bilhões em 2020 e R$ 65,6 bilhões em 2021 – até dezembro deste ano o mercado de ações teve 26 desistências e nenhum IPO.
Os follow-ons foram mais presentes neste ano: 18 operações realizadas em 2022, movimentando R$ 55 bilhões. Ainda assim, o valor foi inferior ao dos últimos 2 anos: 25 follow-ons movimentaram R$ 73,9 bilhões em 2020, e 26 movimentaram R$ 64,8 bilhões em 2021.
Com a virada do ano e um novo governo no Brasil – com novas políticas fiscal e econômica – , especialistas consultados pela CNN Brasil Business divergem acerca das expectativas para 2023.
Apesar de a previsão ser de movimentações mais significativas no mercado, a quantidade de operações e montante total dependerá da conjuntura econômica do próximo ano.
O que aconteceu
Em 2020 e 2021, houve um movimento — não exclusivamente brasileiro — de redução nas taxas de juros. Embora o mundo vivesse o auge da pandemia, havia muita liquidez sendo injetada na economia por parte dos Bancos Centrais, buscando manter o mercado aquecido e impedir uma crise econômica agravada.
Especialistas explicam que Isso fez com que muitos investidores, inclusive pessoas físicas, avaliassem a renda variável como uma forma de otimizar os rendimentos. Os investimentos atrelados à taxa Selic e CDI começaram a depreciar de forma significativa, especialmente quando comparados ao desempenho do Ibovespa.
Essa liquidez fez com que um fluxo de caixa significativo migrasse para startups, empresas de tecnologia — e IPOs. “Esse fluxo monetário que saiu da renda fixa foi um dos grandes motivadores para a precificação de muitos IPOs em 2020 e 2021”, explica Teodora Barone, responsável pela área de Mercado de Ações do UBS Brasil Banco de Investimentos. “Tivemos uma tempestade perfeita”.
Em 2022, o ano que começa tentando se recompor após a pandemia, vê uma guerra eclodir no final de fevereiro. A guerra na Ucrânia agravou o cenário internacional adverso. Mais perto de casa, o cenário polarizado e incerto das eleições presidenciais aumentaram a volatilidade da bolsa de valores e, consequentemente, a cautela dos investidores brasileiros.
O Banco Central do Brasil já havia iniciado uma trajetória de aumento dos juros em março de 2021, e diante dos fatos do começo deste ano, havia uma expectativa do mercado brasileiro de que essas altas perdurariam, e a inflação seguiria rumo semelhante. Isso também não era exclusivo do cenário brasileiro — especialistas alertavam para o risco de recessão crescente nos Estados Unidos, Europa e mundo.
Nesse contexto, investidores individuais e institucionais passaram a fazer o caminho de volta à renda fixa. “No Brasil, o investidor pessoa física ainda está começando a aprender a investir em bolsa. Não é um investidor de longo prazo, portanto, assim que vê uma oportunidade com mais retorno e menos risco, a tendência é ele migrar para ela”, ressalta Teodora.
Portanto, a partir do terceiro trimestre de 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começou a registrar suas primeiras desistências. Só em janeiro de 2022, por exemplo, foram 14.
“Isso determinou a realidade do mercado de ações em 2022. Nós entramos com uma visão muito mais cautelosa”, explica Roderick Greenlees, diretor do banco de investimento do Itaú BBA. “Com toda essa volatilidade, o investidor decidiu ficar fora de um mercado considerado de risco mais alto: o mercado de IPOs”, complementa.
O que pode acontecer
Cenário favorável
Hoje, com a taxa Selic a 13,75% e a inflação acumulada em 12 meses de 5,9%, 2023 é um ano que guarda muitas incertezas aos interessados em investir em novas listagens.
Teodora Barone e Roderick Greenlees se dizem otimistas para o cenário econômico e, consequentemente, para a retomada dos IPOs e follow-ons no próximo ano.
Para Barone, investidores estrangeiros de mercados emergentes tem dado sinais positivos de que vão continuar investindo em mercado variável aqui no Brasil. Para ela, são eles que movimentarão os IPOs ano que vem — em que ela projeta em 40 operações.
“Aqui [no UBS BB] temos 40 operações mapeadas para o ano que vem — ou seja, empresas elegíveis que gostariam de vir ao mercado e que, para o UBS, tem condições de abrir capital”, diz. Operações essas que, segundo ela, terão que começar a partir de R$ 1 bilhão para serem viáveis.
Ela ressalta que esse número depende consideravelmente da taxa de juros — cuja expectativa é de começar uma trajetória de quedas a partir da segunda metade de 2023. “Um ponto de incerteza que ainda existe é a questão do teto de gastos e estabilidade fiscal do país”, alerta. Mas, assumindo que não há nada que seja fora do radar, “e que ano que vem trará notícias mais positivas”.
Greenlees aponta que deve ser um número de IPOs inferior ao de 2021, mas uma recuperação importante em relação a 2022. Para o especialista, essas ofertas podem começar a acontecer já a partir 1º trimestre do ano que vem, a depender do cenário fiscal.
Em relação aos setores de destaque para essas ofertas, os especialistas destacam o setor defensivo. Ou seja, empresas de infraestrutura — elétricas (tanto de transmissão quanto de geração de energia), empresas de saneamento e transporte — óleo e gás.
E a partir do 2º semestre, avalia Greenless, empresas de consumo e varejo podem tentar começar a acessar o mercado de capitais, ainda que em menor proporção quando comparado à 2021.
Cautela
Apesar das previsões otimistas, Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão estratégica da FGV, acredita que a situação econômica do país em 2023 impedirá que o mercado de IPOs atinja números tão proeminentes.
O especialista afirmou que o Boletim Focus prevê um crescimento de 0,75% da economia brasileira, ou seja, ficará virtualmente estagnada. Somado aos juros altos, Rochlin não vê um contexto em que as empresas busquem ativamente abrir capital.
“Esse cenário jogará certa sombra sobre o mercado de capitais”, argumenta. “Não acredito que teremos um ano espetacular”.
Nicolas Borsoi, economista chefe na Nova Futura Investimentos, acredita que as previsões parecem “ingênuas”, especialmente quando se observa o volume financeiro calculado.
Para ele, a dinâmica de 2023 é de juros altos e recessão global. “Vivemos um cenário difícil, casado com um cenário internacional que também não é muito construtivo para IPOs”, explica.
Apesar disso, o especialista acredita que 2023 deve ser melhor do que 2022, especialmente nos setores defensivos e setores ligados a commodities, pela reabertura da China. Também acredita que há chance de uma melhora no número de follow-ons — mas para os IPOs, não.
“Acredito que a previsão de corte de juros a partir do segundo trimestre seja otimista demais. Não dá nem pra descartar que o Banco Central irá manter os juros — quiçá cortá-los”, finaliza.
Matéria da CNN Brasil.