A morte do leão Nagan, que estava em um zoológico na cidade de Americana, no interior de São Paulo, está causando revolta em advogados, veterinários e ativistas dos direitos dos animais.
Sob suspeita de negligência e maus tratos, a morte de Nagan chegou à Justiça paulista em uma tentativa de se descobrir o que de fato aconteceu com o felino.
O imbróglio ainda está no início, mas já envolveu uma disputa até pela necropsia do animal. O Ministério Público também foi acionado, e deve iniciar uma investigação sobre o caso.
Nagan morreu no dia 31 de dezembro de 2022 nas dependências do Parque Ecológico de Americana, um zoológico público administrado pela prefeitura do município, que fica a 126 quilômetros da capital.
No mesmo dia, a prefeitura divulgou uma nota afirmando que Nagan, que tinha 24 anos, havia morrido de velhice.
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, a expectativa de vida para leões em cativeiro é justamente de 24 anos.
Porém, segundo veterinários que acompanharam a necropsia, o leão estava muito magro e bastante debilitado, além de ter vários tumores espalhados pelo corpo e feridas infestadas por larvas de moscas.
Nesta quinta-feira, a BBC News Brasil procurou a gestão do prefeito Chico Sardelli (PV), mas a prefeitura respondeu que só vai se pronunciar após a divulgação do laudo oficial da necropsia, o que só deve acontecer em 40 dias. Após a publicação original desta reportagem, no entanto, a prefeitura enviou uma nota sobre o caso (leia a íntegra ao final do texto).
O caso começou em 24 de outubro, quando a consultora e ativista Mirella Cecchini se mudou para uma casa vizinha ao zoológico de Americana.
“No primeiro dia comecei a ouvir um leão rugindo. Até aí, normal. Mas ele rugia muitas horas sem parar. Achei esquisito e resolvi procurar o zoológico”, conta.
Segundo ela, uma veterinária do estabelecimento respondeu que estava tudo bem com Nagan.
“Ela me disse que ele estava bem de saúde e que rugir o dia todo era normal para um leão idoso, como se fosse um gatinho. Ela disse que ele recebia a melhor alimentação do mundo, que estava tudo de acordo com as normas do Ibama e pediu que eu ficasse tranquila”, conta.
Mirella não conseguiu ver Nagan nessa primeira visita. Mas os rugidos continuaram nos dias seguintes, e ela, desconfiada e preocupada, decidiu voltar ao zoológico em 21 de dezembro.
“Quando o vi, fiquei sem palavras com a situação. Ele estava muito magro, só pele e osso. Ficou um tempão deitado, sem se movimentar, sem força. Mal conseguia andar, às vezes se arrastava”, conta ela, que gravou dois vídeos e tirou fotos de Nagan.
As imagens foram divulgadas nas redes sociais, gerando comoção e revolta entre ativistas da causa animal.
Mirella conta ter procurado a prefeitura no dia 21 de dezembro. Alguns funcionários disseram para ela não se preocupar, e que Nagan estava bem.
No entanto, poucas horas antes da virada do ano, ela soube que o leão tinha morrido.
Disputa pela necropsia
Aconselhada por ativistas e veterinários, Mirella decidiu procurar a Justiça para tentar descobrir o que tinha acontecido. “Passei o réveillon dedicada ao Nagan”, conta.
Ela, a veterinária Priscilla Sarti e a Associação Protetora dos Animais de Americana entraram com uma ação pedindo que a necropsia do animal não fosse realizada por técnicos da prefeitura.
“Para mim estava claro que a necropsia deveria acontecer na USP, que é uma universidade pública com muita experiência nesses procedimentos com grandes felinos”, explica Sarti, que é especialista em felinos domésticos e selvagens
O juiz André Pereira de Souza, que estava de plantão, decidiu que não era necessário levar o corpo para a USP, mas que o procedimento só poderia ser realizado com acompanhamento da veterinária.
A necropsia aconteceu no dia 10 de janeiro no hospital veterinário da Faculdade de Americana (FAM), instituição particular de ensino que tem parcerias com a prefeitura de Americana – segundo pessoas que acompanharam o caso, a gestão insistiu para que a necropsia fosse realizada na faculdade.
Quando entrou na sala, Sarti percebeu que o corpo de Nagan já havia passado por procedimentos: a cabeça e duas pernas tinham sido removidas.
“Já achei esquisito o corpo ter sido modificado antes da necropsia, porque isso poderia alterar o resultado do exame”, diz.
Segundo Jorge Salomão, diretor técnico do hospital veterinário da FAM, o corpo foi modificado por funcionários da prefeitura. “O que disseram para a gente foi que a cabeça e os membros foram retirados para caber no freezer do zoológico”, disse.
Já a prefeitura de Americana não respondeu aos questionamentos da reportagem.
A necropsia foi feita pela patologista Josemara Neves Cavalcanti, que trabalha na FAM.
O corpo continua no hospital da faculdade. E ativistas agora vão entrar na Justiça para tentar realizar uma contraprova sobre a causa da morte.
Créditos: BBC News